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Ilustração publicada em http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2015/04/03/no-complexo-do-alemao-pascoa-tem-morte-sem-ressurreicao/ |
Pr. Idenilton Barbosa
Não seria de admirar se esta
manchete aparecesse estampada nas capas dos jornais de hoje, a não ser por
admitir a cumplicidade das autoridades e da sociedade. Mesmo porque,
independentemente de ser ou não noticiado desta forma, a morte de jovens causada
por aqueles que deveriam defender suas vidas, lamentavelmente tem se tornado um
fato corriqueiro. E o que é pior, as autoridades e grande parte da sociedade
não têm feito nada de muito efetivo para frear essa sanha. Pior ainda, a
atitude mais repetida é a de apoiar os agentes destes atos de barbárie e de
culpar as verdadeiras vítimas.
Ah, também querem colocar em
vigor uma “brilhante” ideia que promete acabar com todos os casos de violência:
a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Definitivamente, avalizam o
extermínio da juventude, quer seja pelas execuções sumárias nos becos da cidade
– que já estão em vigor, quer seja por jogar nossas crianças nos depósitos de
gente, que são nossas cadeias e presídios, ainda em debate na Câmara dos
Deputados. Dizem as pesquisas com forte apoio da sociedade brasileira, que tem
se notabilizado por reproduzir o famigerado discurso destruidor das elites
opressoras. Nos grandes temas nacionais, elas apregoam o sacrifício da vaca
como solução para a chaga que esta tem. Não tem mais jeito para a Petrobrás,
vamos vendê-la por bagatela! Não tem mais jeito para a violência infanto-juvenil,
vamos responsabilizar esses adolescentes! Não tem mais jeito para a juventude
negra da periferia – “só tem traficante!”, vamos exterminá-la!
Mas é preciso contrariar
essa lógica do sacrifício, como um sacrifício histórico, muitas vezes negado
pela incredulidade e muitas vezes descrido pela negação de muitos que discursam
equivocadamente em seu favor, nos ensina. Diante dos descaminhos humanos, Jesus
decidiu assumir a culpa e sofrer a pena. Ao invés de lavar as mãos, sujou todo
o corpo com seu próprio sangue. Ao invés de impetrar maldição, se fez maldição
por nós. Podendo exterminar os pecadores, suplicou perdão para os pecados
alheios como se fossem seus. Ao contrário de excluir a quem quer que fosse, acolheu
a todos e de maneira especial aqueles que a sociedade do seu tempo renegava.
Foi amável, afável e comprometido com os excluídos, mas foi duro, incisivo e intransigente
com os religiosos hipócritas. Diante da ameaça de extermínio da vida humana,
ele lançou o desafio da vida, por meio da fé humilde, amorosa e operante.
Muitos têm interesse em que
estas lições sejam esquecidas, desconsideradas ou ridicularizadas, sob a falsa
informação de que a mensagem da cruz disseminou a exclusão, a opressão, o
preconceito e a discriminação ao longo da história. Esse discurso, inclusive
muito presente nos meios acadêmicos, em alguns casos, é fruto da ignorância e
parcialidade em relação aos ensinamentos do Filho de Deus, manifestadas pelos pós-letrados
que, sem o devido conhecimento do tema, arvoram-se a discuti-lo como se nele fossem
especialistas; em outros, originados nos relatos dos equívocos cometidos pelos autointitulados
porta-vozes do calvário, de ontem e de hoje, muitos dos quais mais afeitos aos
bens deste mundo do que aos da eternidade; outros desqualificam a mensagem do
crucificado, apenas pelas inegáveis contradições inerentes a todo ser humano, a
que todos estamos sujeitos, mesmo aqueles que são sinceros no exercício da fé
cristã, tal como revelada pelo Salvador.
O grande problema é que, ao
desqualificar a mensagem da cruz sem separar trigo de joio, além de, em certo
sentido, repetir a atitude dos algozes de Jesus e de avalizar a injustiça
perpetrada desde o primeiro século, também tenta-se neutralizar uma das mais
poderosas armas contra a opressão, a discriminação, a violência, o desamor, que
é a prática da vida em comunidade, conforme Jesus demonstrou. É um erro
confundir os ensinos de Jesus com as práticas pós-apostólicas, a partir de Constantino,
ou com as resoluções, decretos e dogmas deliberados nos concílios, como se
estes fossem infalíveis. É um grande equívoco misturar as declarações das
Escrituras com interpretações, popularizadas por grupos ou indivíduos, que não
resistem ao menor dos princípios de hermenêutica ou de exegese. Chega a ser irresponsável
reduzir o cristianismo aos grupos criados com base e em torno da personalidade
de seus líderes, diante da enorme diversidade de expressões da fé em Cristo.
O grande desafio que me
imponho nestes tempos tão difíceis é o de reafirmar a minha fé em Jesus Cristo
como o Deus-homem, e por isso, divino e humano, que interferiu na História para
transformá-la em todas as suas dimensões e o de vivenciar esta fé de maneira
compromissada com os homens, mulheres, jovens e crianças do meu tempo,
procurando lutar pelo atendimento de suas necessidades espirituais, físicas e
sociais, a partir dos contextos humanos em que estou inserido. Faço esta
afirmação como quem compreende que somente com o envolvimento com as demandas por
justiça social do meu tempo é possível me aproximar do cumprimento da amorosa vontade
de Deus. Defendo que o contrário disso é ser conivente, cúmplice e avalista de
tudo que condenamos em nossos discursos. Não é uma tarefa fácil, mas não há
como proclamar a mensagem verdadeira da morte e ressurreição de Jesus, sem
trabalhar, ainda que infimamente, pela justiça social que, entre outras coisas,
não admite o extermínio da nossa juventude.
Leia na Bíblia: Mateus 27; Lucas
23.34; João 8.1-11; João 10.10; II Coríntios 5.17-21; Gálatas 3.13; Gálatas
6.9-10; I João 1.7; Tiago 4.17; Mateus 25.31-46.